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terça-feira, 25 de outubro de 2011

ARQUEOLOGIA BRASILEIRA

FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2003.


FICHAMENTO

CAPÍTULO 1
O QUE É ARQUEOLOGIA?

Pág. 13
[...] a arqueologia tem, nos últimos anos, alargado seu campo de ação para o estudo da cultura material de qualquer época, passada ou presente. A arqueologia industrial, por exemplo, estuda construções e objetos ligados à indústria, no passado e no presente.

Pág. 14
Além dos ‘artefatos’, também são estudados pela arqueologia os ecofatos e os biofatos, ambos ligados à apropriação da natureza pelo homem. [...] os conceitos de ecofato e biofato para se referirem a vestígios do meio ambiente e restos de animais associados aos seres humanos.

Pág. 15
[...] a arqueologia estuda, diretamente, a totalidade material apropriada pelas sociedades humanas, como parte de uma cultura total, material e imaterial, sem limitações de caráter cronológico.

Até meados da década de 1960, o pensamento dominante considerava que a arqueologia tinha como propósito a simples coleção, descrição e classificação de objetos antigos.

[...] a arqueologia é o estudo da cultura material que busca compreender as relações sociais e das transformações na sociedade.

Em geral, historiadores, antropólogos e outros cientistas sociais não encaram a arqueologia como uma ciência, definindo-a como uma disciplina auxiliar.

Pág. 15
Podemos dizer que essa postura deriva de uma visão tradicional segundo a qual a arqueologia em si é simplesmente uma técnica (essencialmente a mera abertura de buracos no solo ou a abaixar-se para recolher objetos) que pode ser empregada em benefício da antropologia, da história ou do simples divertimento [...].

Pág. 18
[...] autores originários de ambientes culturais diversos e defensores de diferentes pontes de vistas [...] passaram a considerar que a arqueologia, utilizando-se de métodos próprios, e por meio do estudo da cultura material, deve envolver-se também com objetivos históricos e sócio-antropológicos.

[...] a arqueologia deve se preocupar tanto com as transformações das sociedades humanas no tempo como com o seu funcionamento, sendo assim, a um só tempo, histórica e antropológica.
[a arqueologia] necessita de uma abordagem interdisciplinar para explicar a complexidade do seu objeto de estudo.

[...] a especificidade da arqueologia consiste em tratar, particularmente, da cultura material, das coisas, de tudo que, em termos materiais, se refere à vida humana, no passado e no presente.

Pág. 19
Petrie [...] foi o primeiro a preocupar-se em estudar e classificar objetos domésticos, de uso cotidiano, mesmo quando fragmentados. Iniciou, ainda as modernas escavações na Palestina, sendo considerado, por isso, o fundador da arqueologia bíblica.

Pág. 20
Citando Mortiner Wheeler:
“De forma muito direta, a arqueologia é uma ciência que deve ser vivida, precisa ser ‘temperada com humanidade’. A arqueologia morta é a poeira mais seca que se possa soprar. O arqueólogo não é um mero funcionário que conta cacos, nem tampouco um mero desenhador de fragmentos”.

Pág. 22
Citando Gordon Childe:
“A arqueologia é uma forma de história e não uma simples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são documentos históricos por direito próprio e não meras confirmações de textos escritos. Exatamente como qualquer outro historiador, um arqueólogo estuda e procura reconstruir o processo pelo qual se criou o mundo em que vivemos - e nós próprios, na medida em que somos criaturas do nosso tempo e do nosso ambiente social”.

Pág. 23
Nos Estados Unidos do século XIX, os historiadores tratavam da civilização ocidental e euro-americana, enquanto cabia aos antropólogos o estudo das outras culturas, no presente ou no passado, em especial as ameríndias.

Pág. 24
Na Europa, a arqueologia surgiu derivada da filologia e da história, preocupada em estudar os vestígios materiais da civilização ocidental. A primeira a surgir e, em certo sentido, a mais prestigiosa, foi a arqueologia clássica, já no inicio do século XIX, voltada para o estudo das civilizações gregas e romana da Antiguidade.

[...] o século XIX viu surgir o interesse pelo passado mais recuado, na própria Europa. [...] As teorias evolucionistas deram novo alento ao estudo do passado mais remoto, baseadas na noção de evolução das espécies e, portanto, do homem, com a busca sistemática dos vestígios dos antigos seres humanos e de seus antepassados, os hominídeos.

Pág. 25
O termo pré-história passou a ser usado, referindo-se ao período da história anterior à escrita, em um quadro de busca das origens das populações européias e, um pouco mais adiante, da humanidade em geral.
[...] a influencia européia não deixou de fazer-se sentir por aqui [Brasil], pois a construção das identidades nacionais latino-americanas não deixou de incluir, em diversos países, os ameríndios e, por isso, a busca das origens históricas, à maneira européia, foi bem recebido entre nossos pensadores. Também o estudo das pinturas rupestres e dos mais antigos vestígios humanos, tão desenvolvido aqui por influência francesa, explica-se, em grande parte, pela adoção da noção de ligação estreita entre o homem moderno e seu antepassado mais recuados no tempo.

Pág. 26
[No Brasil] As pesquisas arqueológicas só se ampliaram, contudo, com as atividades do Museu Nacional do Rio de Janeiro e com a vinda de estrangeiros para expedições na Amazônia e em outras partes do país, a partir da década de 1870.

No período de 1965 a 1971, Clifford Bvans e Betty Meggers treinaram alguns brasileiros em uma prática de campo defasa, sem nenhuma preocupação interpretativa, deixando de lado qualquer pretensão universitária.

Pág. 27
[...] a arqueologia desenvolveu-se no Brasil, principalmente como uma atividade de pós-graduação, em geral no quadro de um programa de história, antropologia ou outra área afim.

[...] Na arqueologia história, destacam-se a pesquisa que tratam da diversidade étnica cultural do Brasil como no caso das Missões Jesuítica e dos Quilombos.

CAPÍTULO 2
COMO PENSA O ARQUEÓLOGO: DO ARTEFATO À SOCIEDADE

Pág. 29
O estrato arqueológico é a unidade básica do seu trabalho. Cada estrato representa uma ação humana, como um aterro, a fundação de um muro. [...] cada estrato pode ser delimitado pela sua composição material particular e corresponde à determinada atividade humana, realizada pelos usuários originais desse espaço físico, ou a uma ação natural [...].

Pág. 30
O arqueólogo deve registrar os artefatos encontrados, por meio de desenhos, de modo que se possa saber a sua exata localização.

Pág. 31-32
Por meio da leitura do registro arqueológico (ou seja dos vestígios que o arqueólogo encontrou e procurou reproduzir num desenho esquemático), deve-se chegar à reconstrução das atividades e ações que levaram ao estado atual do material encontrado.

A arqueologia nada mais é que uma leitura, ainda que um tipo particular de leitura, na medida em que ‘o texto’ sobre o qual se debruça não é composto de palavras, mas de objetos concretos, em geral mutilados e deslocados do seu local de utilização original. É impossível ignorar a subjetividade do trabalho arqueológico.

Pág. 33
O artefato [...] não é apenas um indicador de relações sociais, mas, enquanto patê da cultura material, atua como direcionador e mediador das atividades humanas.

Pág. 34
Os vestígios arqueológicos, a partir do momento em que são reintegrados num contexto cultural em funcionamento como o nosso, tornam-se novamente mediadores.

Pág. 35
Não é à toa que, embora a arqueologia estude as séries, o repetir-se da ação humana refletindo nos objetos do cotidiano – sendo esse o material mais comum proveniente das escavações – predomine ainda, nas instituições e nas publicações arqueológicas, a atenção para com os objetos únicos e excepcionais.

Pág. 36
[...] o artefato, ainda que criação do ser humano, continua a ser um objeto, e assim parece algo muitas vezes distante do seu criador, como se tivesse vida própria.

Pág. 37
A ambivalência material/humano, ainda que pareça abstrata, adquire importância capital para que se entenda por que, no estudo das sociedades, valendo-se de seus elementos materiais, tarefa da arqueologia, não raras vezes - equivocadamente - objetos são considerados fora de seu contexto social e comportamentos de sociedades estudadas são vistos como mera decorrências de desígnios da natureza.

Pág. 39
Em sentido contrário, as relações sociais podem ser equivocadamente tomadas como dados naturais. Assim, por exemplo, certos pesquisadores apegam-se a um pressuposto de que no passado os grupos humanos se deslocavam apenas em função dos recursos materiais disponíveis no meio ambiente. Valendo-se disso, interpretam os vestígios de deslocamentos e assentamentos humanos que encontram em determinados lugares levando em conta apenas as condições ambientais naturais.

Págs. 39-40
[...] como os artefatos não falam por si mesmos, torna-se necessária a utilização de analogia com o que encontramos em situações constatadas em tribos vivas, o que chamamos abordagem etnográfica. Pode-se, por exemplo, utilizar o conhecimento etnográfico - derivado de estudos antropológicos com indígenas atuais e das descrições dos viajantes europeus do período colonial - para compreender a distribuição espacial dos sítios pré-históricos de certas regiões do Brasil.

Pág. 40
A arqueologia histórica, que dispõe de informações escritas produzidas pela mesma cultura que utilizou os objetos analisados pelo arqueólogo, apresenta características especificas, derivadas da convergência dessas duas categorias documentais. Tanto os documentos escritos como a cultura material são produtos de uma mesma sociedade, mas não são, necessariamente, complementares ou convergentes, pois o documento escrito representa as idéias e interesses subjetivos de seu autor, à diferença da cultura material.

Pág. 44
O material arqueológico comporta leituras diversas: “é a maneira de abordar as evidências matérias que as faz fala” (como afirmam os arqueólogos franceses Cleziou, Demoulle e Schnapp).

Pág. 46
Devemos reconhecer a importância da explicitação do quadro teórico no qual se efetua o trabalho arqueológico. Isso implica que o próprio observar das informações arqueológica pressupõe um modelo de funcionamento e transformação da sociedade que se estuda.

Pág. 48
A própria arqueologia só pode ser entendida em seu contexto histórico e social, como alertava o arqueólogo britânico Michael Shanks há algum tempo. Desde seu surgimento, diversas teorias desenvolveram-se e, de certa forma, todas elas continuam até hoje sendo utilizadas.

Herdeira do nacionalismo do século XIX, a arqueologia tem no modelo histórico-cultural sua teoria mais difundida.

Pág. 49
O modelo histórico-cultural parte do pressuposto de que as pessoas compartilham, de forma homogênea, os traços culturais e que as tradições passam de geração a geração.

No contexto da arqueologia antropológica norte-americana, surgiu um movimento, na década de 1960, que se autodenominava de New Archaeology ou Arqueologia Processual, capitaneada pelo arqueólogo norte-americano Levis Binford. [...] Segundo essa visão, a história estaria em busca dos eventos e das culturas singulares, enquanto a antropologia americana ressaltava que haveria regularidades no comportamento humano.

Pág. 51
A nova proposta, a arqueologia pós-processual, por sua parte, inseriu a disciplina na sociedade, ao preocupar-se com os interesses e inserções sociais da arqueologia e dos arqueólogos, no passado e no presente.

Pág. 52
A partir do final da década de 1990, há um crescente pluralismo interpretativo na arqueologia. Os métodos fundados no histórico-culturalismo continuam muito difundidos, tanto por serem os que mais cedo surgiram e terem continuado a desenvolver-se, como por responderem a inquietações históricas concretas, como é o caso da busca das origens pré-históricas de povos como os tupis ou os guaranis.
Pág. 53
A arqueologia contextual, em sua mais variadas manifestações, tornou-se conhecida em toda parte e assumiu a vanguarda em países como a Inglaterra e em diversas instituições pelo mundo afora, primeiramente no mundo anglo-saxão, mas também alhures.

CAPÍTULO 3
COMO ATUA O ARQUEÓLOGO

Pág. 55
O arqueólogo trabalha diretamente com a cultura material. Essa diferença essencial da arqueologia em relação a outras ciências humanas, que possuem uma prática de ação sobre a esfera ideológica, acarreta uma postura diversas do arqueólogo perante seu próprio objeto de estudo.

O esforço de pesquisa reintegra o arqueólogo no mundo material, aproxima-o da dureza da vida de trabalho das pessoas que habitaram aquele local e se reflete na formação do registro arqueológico.

Pág. 56
O esforço do arqueólogo traz consigo, além do suor, a possibilidade de apoderar-se da história real ‘indo em busca do cansaço e da exploração’.

Pode-se dividir em quatro fases o trabalho do arqueólogo: (1) etapa de campo; (2) processamento em laboratório; (3) estudo; e (4) publicação.

Pág. 59
A arqueologia utiliza a classificação dos artefatos por meio de tipologia [que] classifica os artefatos por semelhanças e diferenças com relação a outros e serve para auxiliar o arqueólogo na obtenção de informações baseando-se na análise da distribuição dos artefatos nos diversos lugares e de suas mudanças com o decorre do tempo.

Pág. 60
A tipologia em arqueologia é essencial para verificar constâncias ou recorrências não casuais que permitem ao arqueólogo reconstruir a mudança dos artefatos com o decorrer do tempo, as transformações nos padrões de consumo, as diferentes ocupações do espaço, etc.

CAPÍTULO 4
FORMAS DE PESQUISA

Pág. 63
A arqueologia não é, do meu ponto de vista, uma simples técnica no sentido empirista da palavra.

Pág. 64
As técnicas de escavação diferem entre si e possuem sua especificidade tendo por meta a satisfação de objetivos diversos. Nesse sentido, há sempre uma adequação entre as técnicas utilizadas e os objetivos em vista.

Pág. 67
A arqueologia do desenterramento apresenta-se como uma prática de campo, direta e imediatamente ligada à satisfação das necessidades econômicas e ideológicas de determinados grupos sociais.

Pág. 68
As ruínas e as obras-primas do passado constituem-se, paralelamente, em importantes elementos ideológicos na manutenção das estruturas de poder, legitimando regimes políticos dos mais variados matizes.

Desde fins do século XIX tem havido a preocupação, por parte de alguns arqueólogos, em entender a história do sítio escavado observando a disposição vertical e horizontal dos estratos que compõem o deposito arqueológico.

Pág. 69
[...] desde as últimas décadas do século XIX formulou-se a hipótese de que os objetos encontrados num estrato superposto a outro fossem mais recente e vice-versa.

Pág. 70
Os arqueólogos pesquisadores das chamadas ‘grandes civilizações’ interessaram-se não apenas pela datação relativa dos artefatos como também pelo estabelecimento de níveis ou fases de ocupação de cada terreno.

Pág. 71
As técnicas de escavações transformaram-se com o decorrer do tempo, tendo em vista os diferentes objetivos a que se punham os arqueólogos.

Pág. 72
A década de 1930 marcaria a introdução da escavação arqueológica por quadrículas e testemunhos, bem como numeração dos estratos e a atribuição dos artefatos aos diversos estratos.

Pág. 73
A arqueologia passava a ser um disciplina ‘recuperadora de fatos’. A estratificação representava, no nível do sítio arqueológico, a história, ou melhor, o avanço diacrônico da humanidade.

Pág. 78
A arqueologia como prática da classe média está pouco preocupada com os conflitos, centrando-se o arqueólogo, não mais na idéia destruição de povos e grupos sociais - derivada de conflitos interiores ou exteriores - mas no dia a dia pacífico e estável das pessoas no passado.

Pág. 83

Muitas vezes, nos países mais desenvolvidos, a arqueologia está bem inserida na sociedade, de uma forma ou de outra, enquanto, aqui no Brasil, ainda está muito afastada, especialmente, dos interesses e valores indígenas, das comunidades tradicionais e das grandes massas em geral. A arqueologia brasileira, no entanto, tem se desenvolvido muito, nos últimos anos, com uma crescente inserção, tanto na sociedade brasileira, como na ciência internacional.

CAPÍTULO 5
A ARQUEOLOGIA E AS OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO

Pág. 85
A arqueologia é uma disciplina que não pode ser desvencilhada de muitas outras com as quais esta relacionada. O estudo da cultura material, de todo o imenso depende, em muitos casos, da interação da arqueologia com outras áreas.

Pág. 97
A arqueologia não pode ser pensada, ainda, sem a referência à museologia, aos estudos de gestão do patrimônio, ao seu aspecto público.

Pág. 98
A arqueologia cada vez mais deve voltar-se para as disciplinas que refletem sobre o destino da cultura material que ela estuda e o caminho que se tem proposto é a colaboração da população em geral de maneira que esta possa ajudar a definir os usos desse material e mesmo sua interpretação.

CAPÍTULO 6
ARQUEOLOGIA E PODER

Pág. 100
Citando Clive Gabel:
A arqueologia surgiu, de forma gradual, nos últimos duzentos anos como o estudo sistemático do passado.

Pág. 102
A exploração e a valorização dos territórios nacionais implicam, também, um relacionamento particular entre a arqueologia, a sociedade e os grupos no poder. Trata-se, em geral, da incorporação de monumentos e objetos numa prática de valorização e transformação econômica da paisagem.

Pág. 104
De maneira geral, a arqueologia tem privilegiado os artefatos dos segmentos dominantes das sociedades estudadas como objetos admiráveis, justamente, pelo seu caráter elitista.

Pág. 104-105
A partir da descolonização, a apropriação dos vestígios arqueológicos passou a ocorrer por mecanismos econômicos. Assim, com a expansão dos mercados de peças arqueológicas, a saída – em geral ilegal – de objetos da ‘periferia’, países subdesenvolvidos, para o ‘centro’, países desenvolvidos, efetua-se, primordialmente, pela venda das peças no mercado internacional. Isto significa que, à expropriação forçada do período colonial, seguiu-se um nova fase na qual a transferência do patrimônio arqueológico adquiriu, via mercado, um capa de legalidade.

Pág. 105
A arqueologia pode, contudo, ser usada por grupos subalternos na luta por seus direitos ou para criticar as injustiças e opressões sociais.

Pág. 107
A ligação entre fatores político-ideológicos e arqueologia, no entanto, dá-se sempre por uma mediação essencial: a arqueologia é uma disciplina científica e os seus praticantes fazem parte de uma comunidade acadêmica institucionalizada.

Na medida em que a arqueologia é uma disciplina cientifica, possui lugares institucionais de pesquisa que controlam ao menos seis questões: o que deve ou não ser pesquisado, o acesso aos sítios arqueológicos, ao material armazenado, às verbas de pesquisa, aos cargos acadêmicos e aos meios de informação cientifica encarregados de divulgar os resultados do estudo arqueológico.

CAPÍTULO 7
SER ARQUEÓLOGO NO BRASIL

Pág. 109
Não há pesquisa, nem mesmo pré-histórica, que esteja fora dos interesses da sociedade e a arqueologia pode ser profundamente humanista, particularmente relevante para uma sociedade multicultural, sempre que atue com a comunidade. Nesse caso, o engajamento do intelectual não lhe subtrai qualquer conhecimento, ao contrário, pois ‘conhecer’ é ‘saber com’ os outros. Tornar-se arqueólogo inclui, assim, saber que não há trabalho arqueológico que não implique em patrimônio e em socialização do patrimônio e do conhecimento.

Um arqueólogo precisa estar convicto de que qualquer escavação deve resultar em uma publicação, acessível à comunidade cientifica.

CAPÍTULO 8
QUESTÕES PROFISSIONAIS: ÁREAS DE ATUAÇÃO POSSIBILIDADES E CAMPOS DE TRABALHO

Pág. 113
A arqueologia possui uma infinidade de áreas de atuação e de especializações. Nos Estados Unidos e no Brasil, a disciplina costuma ser dividida em dois grandes setores: arqueologia pré-histórica e histórica, voltadas para o período anterior e posterior a 1492, respectivamente.

Além dessas grandes áreas, há uma tendência à especialização por categorias de objeto estudados, em especial: estudiosos de líticos, cerâmicas, metais, ossos, pedras e assim por diante.

Pág. 115
Outro grande campo de trabalho consiste na atuação em museus, alguns deles associados a universidades e cursos de graduação e pós-graduação.

Ao lado dessas áreas acadêmicas ou científicas, há ainda, atividades ligadas mais diretamente ao mercado e com forte importância social.

Pág. 116
No Brasil, a cuidar da preservação do patrimônio estão os órgãos federais, como o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPAHAN), estaduais (Conselho Estadual de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT, ou o Instituto Estadual de Patrimônio histórico e Artístico de Minais Gerais - IEPHA) e municipais (como o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Campinas - CONDEPACC).

Pág. 116-117
Os sítios pré-históricos do território nacional constituem outro imenso manancial, pouquíssimo explorado como fator turístico-cultural. Em parte, isso deriva do pouco valor atribuído aos indígenas em nossa sociedade e, pelo mesmo motivo, os sítios arqueológicos ligados aos escravos (como os quilombos e as senzalas) tampouco são devidamente valorizados.

Pág. 117
[...] para o desenvolvimento de um turismo de massa, ainda muito incipiente no Brasil, a arqueologia terá um papel central, decisivo mesmo, ao integrar grandes contingentes sociais à cidadania, por meio da arqueologia. Como percebe, há um campo imenso de trabalho a ser explorado.

domingo, 23 de outubro de 2011

OS DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS E OS EXCESSOS DE RELATIVISMO

José Ozildo dos Santos
Rosélia Maria de Sousa Santos

1 INTRODUÇÃO

Na ótica do relativismo cultural, o bem e o mal são conceitos que variam de acordo com a cultura e, estão condicionados aos princípios morais, que pautam a conduta de cada sociedade. Assim, o que é bem e aceito por determinada sociedade, pode ser questionado e não aceito por outra. Tudo é uma questão de cultura, cujas diferenças são enfatizadas pela Antropologia.
Os relativistas culturais têm sido bastante confrontados porque seus argumentos têm sido freqüentemente utilizados por governos autoritários e repressivos, objetivando se defenderem das críticas internacionais relativas aos abusos praticados sobre seus cidadãos.
Atualmente, os direitos humanos universais se apresentam com instrumentos capazes de conterem os excessos de relativismo.
O presente trabalho tem por objetivo fazer uma abordagem crítica acerca da relativização cultural, sob a ótica da Antropologia.

2 DESENVOLVIMENTO

Explica Gensler (1998), que o relativismo cultural defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. E, que partindo desse princípio, cada sociedade possui sua base cultural que suporta a moralidade e esta se refere a fatos objetivos, servindo como seu instrumento construtor.
Logo, na ótica dos relativistas culturais, como cada sociedade possui seus princípios e sua moral, diferentes elementos entram em sua cultura, modificando conceitos e determinando o que é mal ou bem, fazendo com que tais termos sejam considerados relativos, variando de cultura para cultura, ou melhor, de sociedade para sociedade.
Acrescenta Kersting (2003, p. 82), “o relativismo defende a tese de que os sistemas morais só possuem validade relativa, não podendo, por conseguinte, reivindicar uma validade universal, uma validade supratemporal e invariável de cultura para cultura”.
Desta forma, para os relativistas culturais, é ilusória a convicção das teorias-padrão de filosofia moral da era moderna, que defendem uma moral universalista. Eles entendem que a cultura é o valor ético supremo, mais importante do que qualquer outro, e, defendem que qualquer prática, em qualquer sociedade pode ser teoricamente defendida com o fundamento de que se trata de costume local.
Assim, o relativismo cultural sustenta que a cultura é a fonte principal de validação das regras ou direitos morais.
Argumenta Gensler (1998), que os relativistas culturais consideram-se pessoas tolerantes, que não encaram as outras culturas não como ‘erradas’, mas como ‘diferentes’, sustentando, assim, a idéia de que o mundo está dividido de uma forma nítida em sociedades distintas, onde uma perspectiva maioritária determina o que é considerado um bem ou um mal nessas sociedades.
Deve-se destacar que o mundo é produto de uma mistura confusa de sociedades e de grupos sobrepostos. Estrutura esta, que, por uma questão de princípios, é ignorada pelo relativismo cultural.
Mostra a importância da diversidade de cultura, Gensler (1998) afirma que “as diferentes culturas necessitam aprender umas com as outras”. Pois, somente assim seus membros tomarão consciência de seus erros e de seus valores, uma vez que o aprendizado entre culturas diferentes pode ajudar a sociedade como um todo a corrigir valores e a aproximar-se da verdade acerca do modo como o ser humano deve viver.
Destaca Kersting (2003, p 83), que “até mesmo os princípios mais genéricos têm uma coloração cultural e são, por isso, inadequados para um conjunto de regras cuja pretensão de validade não varie de acordo com a respectiva cultura”.
Na opinião de Gensler (1998), “o relativismo cultural poderia dar-nos meios para nos conduzirmos corretamente no plano moral apenas se cada um de nós pertencesse a uma única sociedade”.
Partindo dessa afirmação, percebe-se que o relativismo cultural pouco tem a contribuir no contexto atual, mostrando-se ser uma corrente filosófica que não atende às exigências da vida no século XXI. Com ele, torna-se impossível discordar dos valores da sociedade, levando o cidadão a aceitar as normas da sociedade acriticamente.
Os argumentos dos defensores do relativismo cultural têm sido freqüentemente utilizados por governos autoritários e repressivos, objetivando se defenderem das críticas internacionais relativas aos abusos praticados sobre seus cidadãos. E, por essa razão, os relativistas culturais têm sido bastante confrontados.
É oportuno destacar que os direitos humanos universais servem para conter os excessos de relativismo. Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada em 10 de dezembro de 1948, consolida a afirmação de uma ética universal, ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados.
Observa Souza Filho (1999), que para serem tratados como questão de legítimo interesse internacional, os direitos humanos precisaram ser internacionalizados e isto obrigou uma redefinição do tradicional conceito de soberania estatal, quanto ao seu âmbito e ao seu alcance. E mais, também foi necessário rever o status do indivíduo no cenário internacional, para que o mesmo se tornasse verdadeiro sujeito do direito internacional.
Contudo, não é consenso de que esse processo de internacionalização dos direitos humanos, bem como a criação de um sistema internacional de proteção dos mesmos, se constituam num avanço ou até mesmo em algo positivo e benéfico.
Ressalta Kersting (2003), que vários críticos do alcance universal dos direitos humanos afirmam que a pretensa universalidade dos mesmos esconde o seu caráter marcadamente europeu e cristão, simbolizando a arrogância do imperialismo cultural do mundo ocidental, que tenta universalizar as suas próprias crenças.
No entanto, os defensores dessa idéia alegam que a existência de normas universais relativas ao valor da dignidade humana é uma exigência do mundo atual.
Ademais, os diversos Estados que ratificaram os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, consentiram em respeitar tais direitos, certos de que a aceitação de um conjunto de direitos universais inibe a divulgação dos princípios adotados pelo relativismo cultural.

3 CONCLUSÃO

A universalização dos Direitos Humanos é uma tendência recente na história da humanidade, que teve origem após a Segunda Guerra Mundial como resposta aos horrores e desumanidades cometidas pelos nazistas.
No entendimento de seus idealizadores, se existisse um efetivo sistema de proteção internacional aos direitos humanos, certamente grande parte dessas atrocidades poderia ter sido evitada. E, não teria prevalecido o entendimento de que o povo judeu era algo ruim para a sociedade alemã, entendimento este alimentado pelo pensamento relativista cultural.

4 REFERÊNCIAS

GENSLER, Harry. Ética e relativismo cultural. Tradução de Paulo Ruas. Crítica: Revista de filosofia.

KERSTING, Wolfgang. Universalismo e direitos humanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os direitos invisíveis. In: OLIVEIRA, Francisco de; PAULI, Maria Célia (Orgs.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Rio de Janeiro: Vozes, 1999